Nem tudo são flores na vida de Guilherme Pinheiro, redator curitibano radicado em São Paulo. O criativo da AKQA, embora tenha uma vida aparentemente tranquila, com uma carreira sólida e livre de maiores incômodos, sofre de um mau raríssimo na profissão: ele simplesmente não consegue decidir se abre a pasta com o Grand Prix de Cannes 2018 ou o de 2019.
É um drama, claro. E a gente aqui, naturalmente, se compadece.
Não é fácil encontrar uma encruzilhada desse calibre logo aos 25 anos. Vejam o dilema: de um lado, Air Max Graffiti Stores; do outro, Detector de Corrupção. Se ele escolher a peça da Nike, vai relegar a segundo plano um aplicativo que ajudou a formatar as eleições de 2018 ao colaborar com a identificação de políticos ficha-suja. Se escolher a peça do Reclame Aqui, vai acabar ignorando solenemente a ideia que transformou meros muros em grandes lojas a céu aberto e mudou a forma como a maior fabricante de material esportivo do mundo encara o e-commerce.
A briga é dura e a indecisão é uma consequência evidente. Mas, francamente: Pinheiro é adulto e responde pelos seus atos. Criou porque quis – ele que arque com a dor da dúvida.
Pois bem, vamos logo ao que interessa, antes que o moço se meta em mais confusão – ninguém sabe o que ele pode aprontar no festival de 2020, né.
Ora pois, o fato é que o Clube de Criação do Paraná, talvez movido de compaixão, talvez de curiosidade, resolveu sentar pra bater um papo com Guilherme Pinheiro e saber exatamente como toda essa história aconteceu.
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Logo no primeiro ano em SP você estourou com o Detector de Corrupção. Como aconteceu isso?
PINHEIRO: Tudo aconteceu muito rápido. Eu comecei na GREY pouco antes de Cannes 2017. Na época, a Cor da Corrupção, para o ReclameAQUI, era a ideia favorita da rede para o Festival e, de fato, acabou trazendo vários leões, inclusive um ouro.
Passado Cannes e com as eleições do ano seguinte se aproximando, começamos a pensar em como utilizar a base de dados da Cor da Corrupção para impactar ainda mais pessoas. Foi aí que surgiu a ideia de aumentar essa base e, a partir de reconhecimento facial, transformar os celulares em uma ferramenta contra a corrupção.
O segundo Grand Prix: quando vocês entenderam a dimensão do AirMax Graffiti Stores? Só quando faturou o GP em Cannes ou vocês já tinham uma ideia do tamanho da coisa?
PINHEIRO: O projeto foi crescendo conforme fomos fazendo e, a cada lançamento, ele mobilizava mais gente. Quando, pela primeira vez, as pessoas fizeram fila e os tênis se esgotaram em minutos, percebemos que a ideia estava tomando uma proporção gigante.
Sobre Cannes, estávamos confiantes, mas você nunca imagina que vai ganhar um Grand Prix. Foi uma surpresa muito boa, corri para o aeroporto e cheguei já no meio da premiação, mas, felizmente, deu tempo de subir no palco com o pessoal da AKQA que já estava lá (tinham ido no dia anterior para buscar o GP de Entertainment for Music).
A gente vê as pingas que a turma bebe, mas não vê os tombos que a turma toma. Como é criar uma ideia disruptiva como Graffiti Stores, que mexe com coisas sérias como o grafite em São Paulo?
PINHEIRO: Disruptivo. “Que acaba por interromper o seguimento normal de um processo.” Taí uma palavra que está na moda no nosso mercado. Mas parando pra pensar no seu significado, acho que ela define bem o nosso projeto. Uma coisa que tivemos que fazer para tirar essa ideia do papel foi quebrar processos.
Em São Paulo, a Lei Cidade Limpa proíbe outdoors e temos um Governador que apagou centenas de grafites por toda a cidade. Quando Graffiti Stores nasceu, era uma ideia muito fácil de derrubar. O que fez a diferença foi estar em uma agência que faz acontecer e ter clientes incríveis que confiam no nosso trabalho. Por trás de cada muro existe o trabalho da AKQA, a correria do Instagrafite e a coragem dos clientes Nike.
Você bateu no teto cedo. Aos 25 anos, já ganhou quase tudo o que se pode ganhar nos festivais. O que você espera da carreira agora?
PINHEIRO: Espero continuar fazendo um bom trabalho. Não necessariamente ganhar outro Grand Prix, mas continuar criando ideias que cumpram um papel e aconteçam de verdade. Ver sua campanha sendo premiada em todos os festivais possíveis é incrível, não tem como dizer o contrário. Mas outras partes do processo também trazem essa satisfação.
Ver um jornalista usando o Detector de Corrupção ao vivo na TV. Ou conhecer uma galera que veio dirigindo do Rio de Janeiro para comprar um sneaker em São Paulo. Esses momentos marcam tanto quanto subir no palco para pegar um GP.
O que espero é continuar vivendo esses momentos, porque eles nos fazem curtir a ideia como um todo, não só o vídeo case e as premiações.
O site do clube é lido por profissionais e estudantes. O que você diria pra quem já tá na estrada? E pra quem tá começando?
PINHEIRO: First who, than what. Isso é algo que eu tento seguir. Momento cagação de regra: na hora de escolher onde trabalhar, na minha opinião, o mais importante é para quem você vai trabalhar. No fim das contas, é isso que vai moldar seu critério e sua forma de pensar.
É óbvio, mas vale sempre lembrar: esses dois Grand Prix são fruto do trabalho de muita gente. Tanto na Grey, quanto na AKQA. Muita gente talentosa e com sangue nos olhos para fazer as coisas acontecerem.
Ter uma ideia não é a parte mais difícil, então se você quer fazer elas rolarem, esteja perto de quem também quer.
Vamos à pergunta fatal, se é que você tem uma resposta: das suas duas peças que ganharam GP em Cannes, qual você prefere e por que? Tem que escolher uma só.
PINHEIRO: Impossível responder isso. O Detector de Corrupção foi meu primeiro leão em Cannes, um sonho de infância. E o primeiro leão foi um Grand Prix, inacreditável.
Depois que ganhei um GP, sabia que aquilo poderia facilmente nunca mais acontecer. Vim para a AKQA e aconteceu de novo. E com a Nike, uma marca que todo criativo sonha em trabalhar. A sensação foi indescritível.
Em 2018, a primeira coisa que fiz quando ganhei foi ligar chorando pra minha mãe, que entrou em desespero sem saber o que tinha acontecido. Em 2019, quando soube, mandei uma mensagem de voz no grupo da família, também chorando. Hahahaha.
Tem como escolher uma preferida?
Além da loucura de ver suas peças premiadas e dos litros de Don Pérignon, o que mais te chamou a atenção em Cannes esse ano? Um case que você gostaria de ter feito.
PINHEIRO: Momento clichê: Dream Crazy. Se a pergunta é um case que eu gostaria de ter feito, sem dúvida a resposta é essa. Na minha opinião, uma das melhores campanhas dos últimos anos.
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Tire a dúvida. Acesse aqui a pasta do Guilherme Pinheiro e descubra, afinal de contas, com qual peça ele abre a pasta. E assista abaixo aos cases das duas ideias.