O que acontece em Cannes não fica em Cannes: impacta violentamente toda a indústria da comunicação. Da propaganda ao design, da fotografia à produção eletrônica, todo o ecossistema da criatividade é sacudido. No nosso calendário, o ano novo só começa no final de junho.
E essas primeiras semanas depois do maior festival do mundo são como como aquele janeiro da vida real: todo mundo fazendo planos, sonhando alto, procurando inspiração. Nas agências, nos clientes, no estúdios, por tudo, o papo é o mesmo: gente falando de cases, apontando alguma coisa incrível, dividindo peças e apontando aquilo que, por algum motivo, passou batido pra alguém – é difícil ficar por dentro de todas as 27 categorias e centenas de prêmios distribuídos.
Por isso mesmo, o Clube de Criação do Paraná pediu que profissionais do estado todo apontassem o seu case preferido do festival e explicassem, em poucas linhas, por que aquilo é tão poderoso.
Então, desça o scroll aí e descubra o melhor de Cannes 2019 segundo os criativos do Paraná. Ah, e pegue um cafezinho, porque o post é longo – conteúdo bom ninguém quer matar.
THE TRUTH IS WORTH IT
Alexandre Catarino, Diretor de Criação na OpusMúltipla
Ao invés de fazer uma campanha descaradamente contra as fake news, o New York Times escolheu uma abordagem muito mais inteligente, mostrando que buscar a verdade não é fácil. Esses filmes conseguem agregar um valor tão grande ao trabalho dos jornalistas do NYT que, ao ver essa campanha, o preço da assinatura deles parece até barato. E propaganda que consegue fazer isso me ganha. Foi GP tanto em Film quanto em Film Craft, o que achei bem justo, visto que os filmes poderiam ficar bem chatos se não fosse a execução extremamente bem cuidada. Que inveja da Droga 5.
Laila Rotter Schmidt, fundadora da Tête-à-Tête
A campanha da Droga 5 “The Truth is Worth it” para o New York Times me inspirou profundamente. Me fez sentir na pele a tensão, o medo e a alegria de descobrir a verdade. É como se eu estivesse lá, a cada momento, junto com os jornalistas. Me pareceu um equilíbrio perfeito entre ideia e execução, com uso verdadeiramente cirúrgico do craft e uma simplicidade assustadora. Me fez pensar que sim, ainda existe espaço para a propaganda “tradicional” – por menos “tradicional” que essa campanha seja. Um paradoxo super provocativo e inspirador, que me deixou com muita vontade de conhecer mais sobre o percurso da agência para chegar a essa belíssima campanha.
THE GUN VIOLENCE HISTORY BOOK
Hayane Issa, sócia da Hearted
Foi o case que mais me chamou a atenção pelo impacto do material impresso causado nas pessoas. Ter contato com um compilado de notícias, nos locais que as mesmas ocorreram e com um livro cravado a bala ajuda a ter uma maior dimensão da violência que passa despercebida no dia a dia. É o design utilizado para fazer pensar, questionar e mudar a mentalidade da sociedade, e quem sabe, o curso da História.
THE DISTRACTED GOALKEEPER
Mariel Fernandes, Diretor de Criação e Planejamento da Hey!
Não posso dizer que tenho um pouco de inveja desse case. Afinal, seria uma mentira deslavada: tenho muita inveja. Primeiro, porque parece simples e nada que parece simples é, realmente, simples. Segundo porque é de uma ousadia dessas que deixam zagueiros espalhados no chão, tentando entender o que aconteceu. E o que aconteceu foi uma ideia aparentemente simples em ação. Arrebatadora, causadora, poderosa. Terceiro, porque vi acontecer. Em Curitiba, ao vivo. Depois de tudo, minha reação foi exatamente a esperada, pura inveja. Meu Cannes desse ano é Atheticano e anda de Uber. A ideia rodou o mundo e surpreendeu por onde passou. Um goleiro atendendo celular em pleno jogo, como assim? Deu no que deu. O “Distracted Goalkeapper” não venceu em Cannes, mas devia. A ação, que ficou em segundo, era uma campanha pela conscientização no Trânsito, nosso Maio Amarelo, assinada pelo Athelico e Uber, seu patrocinador. Povo da Tech And Soul, nós invejamos vocês. Finalmente, a declaração do Santos, o goleiro distraído, foi singela. “Eu entendo que vocês fiquem indignados com um goleiro falando ao celular num jogo, mas também fico indignado com quem faz isso enquanto dirige”. Gol do Athetico, muito gol.
CHANGING THE GAME
Filipe Matiazi, Diretor de Criação na Mirum Brasil
Impossível eleger apenas uma peça ou campanha destaque em Cannes. Mas, na pressão de ter que escolher algo, fico com o Changing the Game. O case levou 5 leões em Cannes esse ano, sendo um desses GP, um Titanium, dois leões de ouro e um de bronze. Além de outros 4 shortlists em diversas categorias.
O case mostra crianças que amam jogar games, mas que possuem algum tipo de deficiência que não as permite jogar em seu desempenho máximo. O lançamento do Adaptive Controller for Xbox One com seu design inclusivo resolve essa questão. O produto é inclusivo desde a embalagem, que abre fácil.
“Mas, Filipe! Agora é só fazer case com causa social que já garante um leão né?”. Aí é que tá, o mais forte desse case pra mim é como ele mostra a marca abraçando uma causa sem ser de forma oportunista. A solução do problema que eles apresentam é definitiva. O controle de acessibilidade resolve a dificuldade das crianças em jogar video-game. Coloca elas lado a lado com crianças sem essas barreiras.
Além de tudo, o projeto foi executado de forma completa, primorosa e atingindo grandes resultados, além de resolver a vida de milhares de pessoas.
BACO EXU DO BLUES
Emerson Vieira, Diretor de Criação na Flavor
O último álbum de Baco Exu do Blues chegou a seu ápice – ou não – agora, no festival de Cannes. O meio de divulgação, no fim do ano passado, foi inovador e sua importância social foi expressa no filme de oito minutos, a peça-chave de lançamento de Bluesman.
“A ironia da maioria virar minoria.” Uma frase com tanta rima que soa forçada. Mais forte é o seu significado. Além do verbo, todo o conceito visual é muito bom e o filme é cheio de metáforas, como a prata que se torna objeto espelho da pele negra. Bluesman é um grito contra o racismo impossível de não se ouvir. Não à toa a crítica de Baco, que até três ou quatro anos era desconhecido no cenário brasileiro, teve seu respaldo ganhando Grand Prix em Entertainment for Music.
GENERATION LOCKDOWN
Jean Suzuki, redator da 433
É difícil citar apenas uma peça premiada em Cannes, mas o case “Generation Lockdown” criado pela McCann New York certamente está no topo da minha lista. Porque a violência armada é também uma ferida recém-aberta em nosso país. E a campanha levanta esta discussão de um jeito inteligente, com uma execução simples e todos os requintes de um Grand Prix for Good.
BRAILLE BRICKS
DREAM CRAZY
KEEPING FORTNITE FRESH
Fernando Macedo, CCO na SPIRIT Animation
Sensacional esta campanha da VMLY&R, utilizando-se da popularidade do incrível game hit, Fortnite, para transmitir uma importante mensagem da marca Wendy’s de forma inteligente, divertida e ousada: com a criação de um avatar da sua mascote, destruindo freezers de estoque de burgers, causando um grande buzz, engajamento e aumento em seu valor de marca.
THIS IS AMERICA
Marlon Klug, Diretor e sócio da Fantástica Filmes
O melhor filme musicado e a melhor musica filmada desde o surgimento do YouTube + o impacto gerado em diferentes culturas de diferentes países em todo nosso planetinha multicolor + fazer algo realmente foda é isso porra = ainda tenho dificuldade de entender o que algo tão poderoso e incrivelmente verdadeiramente sensacional está fazendo num festival de propaganda. Mas ok, faz parte do jogo.
DO BLACK
Rafael Bretas, CCO da Fog
A Suécia é super avançada em assuntos sobre mudanças climáticas, inclusive é onde reside uma das principais ativistas recentes que é a jovem Greta Thunberg. Assim, essa ideia teve um boa adesão no país e serve de exemplo para todo o mundo.A merecedora do GP em ecommerce foi a campanha da fintech sueca Doconomy e Mastercard por uma solução de pagamento inovadora, o DO Black. Ele não apenas ajuda os usuários a rastrear e medir as emissões de CO2 associadas às suas compras, mas também coloca um limite ao impacto climático de seus gastos. Acredito que esse tipo de campanha vai além de uma boa ideia, para uma transformação. Cria conscientização sobre consumo e responsabilidade com o planeta.
HA(U)TE COUTURE
Waldemar Segundo, Diretor de Criação da Tif
A Diesel há algum tempo vem redefinindo o significado de fragilidades. Gostei muito da sua campanha Ha(u)te Couture. Ela sabe lidar com hates de forma muito corajosa. Além disso a construção que Diesel há algum tempo já vem fazendo pela comunicação mostra como se aproveitar das suas próprias fragilidades. A campanha da loja fake DEISEL já era um ótimo exemplo (até melhor) dando um nó nas próprias limitações que a marca enfrenta. A experiência que ela proporciona para o público fortalece sua brand persona, alguém que permite a própria zoação, e deixa ela ainda muito mais legal. Não tem nada mais chato que tentar sempre ser perfeito, até mesmo se você for uma marca.
BILLIE JEAN KING SHOES
Marcelo Sacramento e Gustavo Bu, Diretores de Criação da Capim.AG
Aqui na Capim.AG foi unânime, a ideia que deu aquela pontinha de inveja em todos foi a Billie Jean King Your Shoes da TBWA\Chiat\Day NY para a Adidas. A campanha não ganhou nenhum GP, mas isso pouco importa, o que importa é que ela é muito foda. Numa época em que as questões de gênero estão no centro do debate, a campanha abordou o assunto resgatando um importante feito que a tenista Billie Jean King realizou no esporte. Calçando um Adidas azul, ela derrotou o tenista masculino Bobby Rigs na famosa Batalha dos Sexos, mostrando pro mundo todo que as mulheres não são inferiores aos homens em nada. E para celebrar os 45 anos dessa história, além de lançar uma edição limitada, inspirada no tênis da atleta, a Adidas também fez uma ativação genial no torneio U.S. OPEN e convidou todo mundo a customizar seus tênis como os clássicos calçados usados pela Billie Jean King na partida. E o que deixa a ação ainda mais foda, é que não importava a marca dos calçados, ou seja, até os tênis da Nike, sua maior rival, viraram verdadeiros Adidas. E nada mais genial que fazer os próprios consumidores transformarem produtos do concorrente em propaganda para a sua marca. Só pra frisar novamente: isso é foda demais.
THE BEATBOX CATALOGUE
Thiago Mattar, Diretor de Criação da BLU
O que mais me chamou a atenção nesta edição de Cannes foi este Bronze em Film Craft pra Artplan. Simples de doer e muito ousado no formato. É o.tipo de ideia que espinafra aquela máxima de que é preciso ter uma produção robusta pra ganhar.
TRY NOT TO HEAR THIS
Alexandre Silveira, Diretor de Criação da Bronx
Difícil escolher com tanta coisa boa, mas segue a minha preferida: o que me deixou especialmente feliz este ano foi ver diversos criativos exportados daqui (alguns que inclusive passaram pela Bronx) emplacando prêmios com campanhas que tinham o simples objetivo de promover uma marca e vender seu produto. Burger King, Coca-Cola e por aí afora. Confesso que estava um pouco enfastiado de ver apenas ideias “para um mundo melhor” faturando quilos de leões. Neste contexto, achei absurdamente boa essa campanha sinestésica da David Miami para Coca-Cola. Simples, direta, o produto como estrela principal, absolutamente genial. Well done, Pellizzaro! Vendo as peças, mesmo os adeptos da água de coco devem ficar com vontade de abrir uma garrafa de Coca-Cola. A vermelha, original, não a Zero.
BLACK SUPERMARKET
Cláudio Freire, Diretor de Criação da CCZ
Acho uma ideia impressionante, não só pela ousadia da marca, mas por uma rede do tamanho do Carrefour ousar desafiar a lei e a poderosa indústria agroquímica. O resultado, além do ganho para a imagem da marca na Europa, foi a mudança da lei que proibia o cultivo de sementes e a comercialização destes produtos. Um avanço sem precedentes para a agricultura orgânica local e para a biodiversidade.
THE WHOPPER DETOUR
Ricardo Schrappe, Diretor de Criação e sócio da Fuego Comunicação
Em um mundo dominado pela velocidade das curtidas e compartilhamentos, tornar um produto desejado e comentado é um desafio constante. Fazer isso mandando o seu consumidor pedir o seu produto no seu principal concorrente é genial. Além de ser ousada e original, a ideia da FCB New York mostra o quanto investir em uma boa ideia pode reduzir ou eliminar a necessidade de investir em mídia. Além, é claro, de gerar boas risadas.
AIR MAX GRAFFITI STORES
Albérico Bini, sócio e cofundador da Buenas!
Quando saí de Guarapuava pra trabalhar em Curitiba, sofria a síndrome do cachorro vira-lata. Entrei na Master e, de cara, conheci o David Keller, natural de Prudentópolis, com Leão em Cannes na prateleira (tóóma!). Isso me provou muita coisa e espero que esse case prove pra você também.
Você já deve conhecer o case. Mas o que eu trago à mesa é quem está por trás dessa ideia. Um criativo que é da nossa terra, que começou como muitos aqui começaram. Guilherme Pinheiro levou o segundo GP consecutivo na Riviera, é de orgulhar o nosso mercado, é de não procurar as desculpas onde muitas vezes nos escondemos. Ele não é o único da terra do pinhão que se destaca. Canja e Jamute são figuras carimbadas, sem contar os inúmeros criativos que foram nossos colegas e hoje estão lá fora.
A grama deles é tão verde quanto a nossa, o terreno pode ser maior, pode estar melhor localizado – com uma vista pro Central Park – pode receber mais adubo. Mas na essência é a mesma semente, só basta a inquietude. São 14 leões em 2 anos. Um GP por temporada. Impossível ter um desempenho desses no Paraná? Sim. Mas aí a sua reflexão pode parar por aqui ou começamos uma outra história.
THE E.V.A. INITIATIVE
Samuel Grolli, Diretor de Criação da Fosbury
Existem várias maneiras de enxergar essa campanha e todos eles são bons. Primeiro, ela lida com a falta de equidade entre homens e mulheres em um lugar que ninguém nunca havia falado. Segundo, eles não estão vendendo um produto da Volvo, eles estão dando o principal diferencial da Volvo – ter os carros mais seguros do mundo – de presente pra concorrência. Terceiro, ela lida com uma grande catástrofe mundial: os acidentes de automóveis e como evitar mais mortes. É genial como a parceria Volvo e Forsman é capaz de todos os anos gerar ideias fantásticas que vão muito além da propaganda. Compartilhar segredos industriais como forma de posicionar-se a favor de uma causa é um passo muito maduro para um corporação. Fico feliz de ver iniciativas assim.